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Taiwan: História dá lições a Nancy Pelosi – 05/08/2022 – Jaime Spitzcovsky

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Havia algo de estranho no hotel. Após um check-in em velocidade meteórica, atravessei corredores silenciosos e, no quarto, pedi uma refeição. A resposta à minha fome veio em poucos minutos. Solicitei ao garçom uma explicação para o ritmo frenético. “O senhor é o único hóspede”, respondeu ele.

Estava em Kinmen, ilha sob controle taiwanês e a apenas cerca de 10 quilômetros da China. Vivia-se então a Terceira Crise do Estreito de Taiwan, a afastar visitantes de áreas afetadas pelas trepidações bélicas.

Resgatei a lembrança ao acompanhar a Quarta Crise do Estreito de Taiwan, iniciada com a visita de Nancy Pelosi à ilha, independente na prática, mas pressionada, desde 1949, a se reunificar com a China continental, onde reina o Partido Comunista.

Derrotados na guerra civil, os nacionalistas se refugiaram em Taiwan e viveram sob a mão de ferro do regime anticomunista até a primeira eleição presidencial democrática, em 1996. E eu, à época correspondente da Folha em Pequim, desembarquei em Taipé, capital taiwanesa, para testemunhar a gênese do novo regime.

Com o discurso de defesa da democracia, Nancy Pelosi desembarcou em Taiwan de olho também na política doméstica. Inevitável relacionar o momento da visita com a proximidade das eleições legislativas americanas, nas quais o Partido Democrata, da presidente da Câmara, deve sofrer retumbante derrota. A deputada busca colher dividendos eleitorais de uma ousada iniciativa de política externa. E há outra evidente dimensão na viagem: a atual intensificação das rivalidades entre as potências globais.

A divisão China-Taiwan sobrevive como uma das últimas cicatrizes do cenário bipolar da Guerra Fria das relações EUA-União Soviética. E, nesse contexto, ocorreram os dois capítulos iniciais das Crises do Estreito de Taiwan.

Na primeira, em 1955, e na segunda, em 1958, tropas maoístas bombardearam ilhas controladas por Taiwan próximas ao litoral chinês, como Kinmen. Houve também batalhas navais sangrentas. Os nacionalistas, apoiados pelos EUA, repeliram as investidas de Pequim. O conflito esfriou, pressionado pela lógica dominante da Guerra Fria, de evitar um conflito atômico.

A Terceira Crise eclodiu em 1995. A China atravessava os estágios iniciais de sua arrancada econômica, com o nacionalismo como combustível ideológico. Pequim intensificava promessas de reunificação com Taiwan, embalada pela assinatura dos acordos responsáveis pela recuperação de Hong Kong (1997) e Macau (1999).

A “ilha rebelde”, como o Partido Comunista se refere a Taiwan, mergulhava na construção democrática, em contraste com a cartilha dos mandarins de Pequim. Entre julho de 1995 e março de 1996, a China realizou testes de mísseis com a intenção, fracassada, de intimidar eleitores taiwaneses.

Como resposta a Pequim, os EUA enviaram porta-aviões à região, ação considerada a maior demonstração de poderio militar de Washington na Ásia desde a Guerra do Vietnã. A China absorveu a mensagem e a crise se diluiu, no quadro da unipolaridade —ou seja, da inconteste hegemonia americana de então.

Hoje, porém, o cenário é diferente. Entre as quatro crises, a atual corresponde à primeira de um novo momento histórico, o de surgimento de um mundo multipolar, com a ascensão de potências como a China e a diminuição de poder dos ainda hegemônicos EUA.

Trata-se, portanto, de um momento de incertezas e de instabilidade em escala planetária. Defender a democracia de Taiwan corresponde a um imperativo, assim como buscar a estabilidade global.


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