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Conheça a cidade a pé; ela é toda sua – 21/01/2022 – É Logo Ali

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Em seu delicioso conto “Instruções para subir uma escada”, o escritor argentino Júlio Cortázar explica em detalhes como se faz para empreender a aventura que consiste em alçar pé após pé para alcançar o último degrau. Algo assim poderíamos dizer sobre caminhar. Afinal, é só botar um pé à frente do outro, certo?

Tá, mais ou menos. Essa aparentemente simples ação, que nos leva até onde a vista e o fôlego alcançarem, tem algumas regras. Mas não muitas. E o melhor: são acessíveis à maioria das pessoas a partir dos primeiros tropeções, lá pelos 10, 11 meses de vida.

Pode-se dizer que, para a maior parte da humanidade, caminhar é algo inato, que nasce da vontade irresistível de alcançar aqueles objetos que nossos pais não querem que alcancemos e que despertam nossa força de vontade -além das primeiras broncas.

Mas a prática consciente da caminhada não precisa de desafios maiores do que a vontade de dar o primeiro passo e driblar os buracos onipresentes nas vias urbanas. E, em tempos de isolamento social e desconfiança de locais fechados, bater perna pelas ruas e parques foi a solução encontrada por muita gente para driblar o marasmo das quatro paredes.

Pesquisa divulgada pelo aplicativo que registra atividades esportivas Strava, usado por 73 milhões de pessoas no mundo e por 9 milhões no Brasil, revelou que o total de caminhadas ao ar livre cresceu três vezes entre abril e junho de 2020 em todo o mundo, no auge da pandemia, quando comparado a igual período de 2019.

O urbanista e colunista desta Folha Mauro Calliari, por exemplo, conta que começou a andar por São Paulo depois que nasceram os filhos gêmeos. Com pouco tempo para atividades mais absorventes, achou que seria uma boa ideia esticar as pernas pelas redondezas, ficando à mão para eventual troca urgente de pares de fraldas.

“Com o tempo, as caminhadas foram ficando mais longas, eu saía de Pinheiros e andava até o Tatuapé, o Horto Florestal, a Freguesia do Ó. Depois, voltava usando algum transporte”, conta Calliari.

Dos passeios pela vizinhança a palestras e estudos aprofundados foram alguns passos a mais, com direito a mestrado e doutorado em urbanismo, e o livro “Espaços públicos e urbanidade em São Paulo”. Hoje, Calliari é membro do Conselho de Transportes de São Paulo.

“Caminhar pela cidade melhora a relação que temos com os espaços públicos”, explica ele. “Em grupo, com amigos, a conversa é melhor, mas também é uma poderosa experiência individual andar até cansar, ver gente, lojas, bares, praças, se abrindo para surpresas”, acrescenta.

Quem fez da caminhada uma opção de trabalho bem sucedida foi Olavo Medeiros, 51, administrador com especialização em Tendências de Comportamento que um dia largou a vida corporativa para se dedicar a explorar as vias urbanas como trabalho. Ele é criador do projeto “O melhor de Sampa”, que leva pessoas a bater perna por roteiros que variam de 3 a 9 quilômetros cada um, sempre misturando o foco cultural com o gastronômico.

“Primeiro havia pensado em escrever um livro com dicas de como comer com até R$ 20 em São Paulo”, conta Medeiros, que descartou a ideia ao perceber que dificilmente os preços se manteriam até a publicação do texto (e isso que a inflação ainda não estava na estratosfera em que se instalou este ano). A proposta migrou para o Instagram em 2014 e, no ano seguinte, chegou às ruas no modelo atual, que leva de 9 a 30 pessoas em cada versão, dependendo da capacidade dos cafés e restaurantes que vão ser incluídos no roteiro, que se quer cultural e gastronômico. “Nestes tempos de retomada, estamos levando grupos menores e evitando a hora do almoço, para que as pessoas não precisem ficar muito tempo sem máscara conversando”, diz.

A procura é grande e a propaganda é principalmente boca a boca, pelas redes sociais. “Acho que já levamos umas 12 mil pessoas nestes seis anos”, estima ele. Nem a pandemia, que fechou os paulistanos em casa, acabou com a procura pelo projeto. “Durante 50 semanas, fizemos roteiros virtuais, pelos quais as pessoas pagavam a metade do valor normal, que é de R$ 59, e não faltou interesse, tive todo o apoio dos que seguem o projeto”, explica.

O hábito de levar grupos de turistas ou locais para conhecerem a cidade é algo que a maior parte dos grandes centros já se acostumou a ver. Por aqui, avalia Medeiros, o principal empecilho ainda é a sensação de insegurança que as pessoas têm quando circulam pelas ruas. “Eu recomendo levarem celulares velhos se querem tirar fotos, ou mesmo ofereço eu mesmo tirá-las e enviar depois, mas sempre tem quem quer usar o seu mais novo e tivemos duas tentativas, felizmente mal sucedidas, de furto de aparelhos. No Centro, os furtos são com bicicleta, mas em regiões como Pinheiros e Vila Madalena acontecem até a mão armada”, explica.

Também para os publicitários Wans Spiess, 49, e Tony Nyenhuis, 50, criadores do projeto CalçadaSP, as ruas são o território favorito, em uma empreitada que começou em 2014, quando Nyenhuis viu um papel em formato de dinossauro jogado numa calçada, parou para fotografá-lo de perto —e começou a desenvolver o projeto que, em sete anos, já registrou dezenas de quilômetros do chão por onde circulam milhões de cidadãos diária e despercebidamente.

“Quando nos interessamos pela rua, entendendo que ela não é apenas um lugar de deslocamento, mas também de permanência e convivência, passamos a cuidar melhor da cidade, a participar e exigir melhorias”, explica Spiess, que já perdeu a conta de quantas pessoas levou para os passeios que organiza por lugares que muitos nunca imaginaram pisar -ou que já pisaram, mas ignoraram.

“Começar a caminhar pode ser uma aventura”, acrescenta a publicitária, que recomenda começar pelas compras do comércio local, pela descoberta do que existe em seu quarteirão, anotar as boas descobertas diárias, antes de ampliar seus horizontes. Daí em diante, o mundo é todo seu.

O BE-A-BÁ DO CAMINHANTE URBANO

Para quem quer começar a dar os primeiros passos por uma cidade complexa como São Paulo, seguem algumas dicas que servem para a maior parte dos centros urbanos:

1. Desvie de lugares que pareçam perigosos ou mal iluminados, e que não ofereçam rota de fuga para eventuais encontros indesejados. Se quiser se aventurar por locais desconhecidos dos quais tenha algum receio, considere levar alguma companhia que tope a empreitada. E, não custa lembrar, evite balançar o celular à vista de amigos do alheio. Isso vale tanto para São Paulo como para Nova York, Madri ou Pirapora do Bom Jesus. A crise e a cobiça são globais.

2. Estabeleça algum tipo de meta que motive sua caminhada, seja ela cumprir um mínimo de quarteirões ou quilômetros por vez, aumentando um pouco a cada dia, ou mesmo conhecer aquele bar novo e, chegando lá, se recompensar com um bom chope, por que não? Aqui falamos de caminhadas, não de penitências ou dietas. Sorria!

3. Escolha bem o calçado que vai usar e faça dele seu amigo inseparável. Quanto mais confortável e adaptado a seu pé estiver, mais fácil e gostoso será ir mais longe. E, até descobrir se ele é mesmo tudo o que parecia ser quando o vendedor o empurrou a você na loja, não se esqueça de levar umas tirinhas de curativo. Por mais experiente e calejado que você seja, elas serão suas melhores aliadas pelas rotas de todo o planeta, da praça da Sé ao monte Everest.

4. Bonés, protetor solar, óculos escuros e uma garrafinha com água sempre devem estar à mão. Se é provável que andando pela cidade, qualquer cidade, sempre se encontrem um bar e uma sombra, não custa se acostumar com a prevenção.

4. Se você, como eu, gosta de se desafiar e ir atrás de metas, adote um aplicativo que meça a distância ou os passos percorridos, preferencialmente um que mostre um mapinha ao final do trecho caminhado. Há muitas alternativas disponíveis para todo tipo de celular e sistema operacional, a maioria com opção de uso gratuito, e será uma delícia perceber quanto sua motivação aumenta com esse acompanhamento. De quebra, um frequencímetro que meça os batimentos cardíacos pode indicar que você está se exercitando com segurança para sua saúde —e até, por que não, contar as calorias queimadas no seu passeio.



Fonte: Acesse Aqui o Link da Matéria Original

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