Tecnologia

PL das Fake News não afetará Signal, diz presidente do app – 02/05/2023 – Poder

1548234083 file be0b03d8 Vision Art NEWS


“O PL das Fake News não traz restrições a aplicativos de comunicação como o nosso”, diz Meredith Whitaker, presidente da Fundação Signal, ao ser questionada sobre os impactos do projeto de lei 2.630/2020 sobre a tecnologia desenvolvida por sua organização.

O Signal é um aplicativo de mensagens com o compromisso de não coletar dados pessoais e entregar mensagens 100% criptografadas. A organização não divulga o número de usuários dessa tecnologia, mas a Play Store contabiliza mais de 100 milhões de downloads apenas em aparelhos Android —o concorrente WhatsApp foi baixado mais de 5 bilhões de vezes, e o russo Telegram, mais de 1 bilhão.

Meredith afirma que o aplicativo russo, por permitir bate-papos com mais de 200 mil pessoas, é diferente do Signal, que permite apenas conversas individuais. O Telegram também não oferece, de forma automática, criptografia de ponta a ponta nas mensagens, para impedir que terceiros tenham acesso ao conteúdo dos diálogos.

Além de comandar a entidade por trás do Signal, Meredith é pesquisadora, ex-professora da Universidade de Nova York e presidente do AI Now Institute, entidade crítica à concentração de poder entre as gigantes da tecnologia e ao atual uso da inteligência artificial. Antes disso, ela trabalhou no Google por 13 anos, de onde saiu após saber de um contrato entre o gigante das buscas e o Departamento de Defesa dos EUA.

A presidente da Fundação Signal diz aguardar para ver como e se o PL das Fake News vai ser aprovado, mas não é contra a responsabilização das plataformas pelos impactos que causam no mundo. Ela diz manter contato com institutos de pesquisas brasileiros como o InternetLab.

O Signal é uma organização sem fins lucrativos, certo? É um desafio criar um app fazê-lo popular sem visar lucro? O Signal foi lançado em 2011. As pessoas começaram a usar nosso app porque reconheceram que os aplicativos da concorrência promovem vigilância, e o Signal, não. É, porém, muito difícil trabalhar sem visar lucro na indústria tecnológica, em que cada parte dessa indústria foi formada pela economia da vigilância. Tudo o que fazemos está contra a maré da indústria tecnológica, porque nós nos recusamos a participar da economia de vigilância.

É preciso mudar a cultura de consumo, ao considerar que o usuário, em geral, procura recursos mais simples, como o WhatsApp? Eu uso o WhatsApp, às vezes, quando há pessoas que não usam o Signal. Nós sempre estamos trabalhando para fazer o Signal mais fácil de usar, mais divertido e intuitivo. As pessoas não pegam o celular para usar um app, e sim para falar com seu amigo, para mostrar a localização de uma festa. Nós queremos fazer isso de forma que o usuário não tenha que pensar em privacidade. A privacidade é o padrão.

Essa é a única diferença? Também é importante mencionar que o WhatsApp, o Telegram e esses outros apps funcionam como plataformas de rede social, que permitem uma disseminação ampla através de canais e outras ferramentas de transmissão, que o Signal não tem. Eles atraem formas de uso diferentes. Nós realmente nos focamos em ser um aplicativo de comunicação privada, não uma plataforma de mídia social que permite transmissões ou outras formas de comunicação. Muito diferente do Telegram, por exemplo, que você tem esses grandes grupos.

Por que o Signal evitou adicionar recursos de comunicação em massa? Nós fizemos isso de forma consciente, porque o Telegram tem moderação de conteúdo, tem pessoas monitorando os grandes grupos. Eles precisam ter essas ferramentas, legalmente e porque redes de transmissão e mídias sociais não funcionam sem ter moderação, sem meios de filtrar spam ou discurso de ódio ou outras formas de conteúdo que impossibilitam a participação das pessoas. Há problemas reais que o Telegram enfrenta e que nós não enfrentamos, porque nós fizemos escolhas claras para manter uma app de comunicação, não expandir para uma plataforma de mídia social.

É possível garantir privacidade em grandes grupos de aplicativos de mensagem, como o Telegram? O Telegram fala muito sobre privacidade, mas não é uma aplicação de privacidade séria. Eles não criptografam grupos, eles não criptografam mensagens, eles só criptografam mensagens privadas se a pessoa ligar a opção. Usando o Telegram, como uma regra, não tem como ter mais privacidade, mesmo que Pavel Durov [criador do Telegram] esteja constantemente falando sobre o quanto eles se importam com a privacidade.

O Signal faz muito menos marketing, mas nós somos extremamente sérios em desenvolver tecnologia que pode ser validada como forma de privacidade e nós aceitamos tarefas hercúleas para proteger cada pedaço de informação possível. Nós usamos o protocolo do Signal para proteger mensagens e depois nós usamos outras técnicas que desenvolvemos para proteger os usuários. Não sabemos listas de contatos, quem está nos grupos em que você está, não sabemos seu nome. Essa informação pessoal é, às vezes, mais perigosa do que os conteúdos da mensagem em si.

O Congresso brasileiro debate atualmente um projeto de lei sobre regulação de redes sociais, que menciona a responsabilização de plataformas. Isso poderia impossibilitar a operação do Signal e sua proposta de comunicação com privacidade no país? Eu trabalho com especialistas como o InternetLab e outros no Brasil que são muito mais informados do que eu sobre o assunto, mas da minha leitura do projeto de lei, neste momento, não iria implicar o Signal. Iria se aplicar ao Telegram e parece que está especificamente alcançando as redes sociais, o que o Signal não é. Resta ver como a votação sai e como isso vai ser interpretado, mas eu vou continuar dizendo que não me oponho a garantir que as plataformas sejam responsáveis pelos seus impactos no mundo.

Há uma diferença muito grande entre a supervisão das comunicações privadas, do que você pode dizer aos seus amigos, ao seu grupo de conversas, a um jornalista e garantir que um grupo de 200 mil pessoas tenha moderação e não contribua para distorcer a opinião pública e a nossa noção de realidade compartilhada.

A Folha noticiou na segunda (1º) que a busca do Google sobre o PL das Fake News retorna mais notícias negativas do que positivas. O Google diz que eles não têm controle sobre isso, embora tenha investido pesado em publicidade sobre o tema. Isso faz sentido? É claro que eles têm controle. Mas isso pode ter acontecido de outras maneiras. Os opositores da lei podem ter comprado um monte de anúncios sobre o tema. Um empresa que se opõe ao texto pode produzir muito conteúdo otimizado para busca e isso faz que esse material apareça no topo.

Existem muitas formas de liderar nas buscas sem envolver o Google de forma direta. O Google pode ter colocado o dedo no ranking de sites, é possível, mas nunca saberemos. Essas grandes empresas detém muito poder sem prestar contas. A quem é de fora dessas empresas, resta adivinhar, porque tudo que acontece nesses sites parece invisível e está protegido por sigilo corporativo. Não temos a informação que precisamos para governar essas plataformas de forma democrática.

Essas empresas usam muitos dados públicos disponíveis na internet. Existem formas eficientes de controle? Assusta pensar em quanto poder eles ganharam em um período tão curto. Por outro lado, temos algumas respostas: o PL das Fake News, a lei de Inteligência Artificial em discussão na União Europeia, a Lei de Mercados Digitais, legislações que tentam injetar alguma responsabilidade em uma indústria que, neste ponto, não é confiável de maneira alguma. Temos também outras forças que pressionam contra isso.

Um exemplo que me fez muito feliz esta manhã é que o Sindicato dos Roteiristas de Hollywood, cujos trabalhadores têm visto suas vidas afetadas por escolha das dos estúdios e empresas. Os roteiristas que se recusam a usar certas tecnologias recebem menos e decidiram declarar greve contra isso.

Uma das demandas é de que os trabalhadores, por si mesmos, decidam se a inteligência artificial é usada no dia a dia e como. Podemos ver que os trabalhadores organizados, que são as pessoas que mais sofrem pela introdução da inteligência artificial, pelos seus chefes, agora lutam pelo direito de manter a inteligência artificial responsável.

É possível enfrentar os desafios em termos de privacidade digital e concentração de poder por essas grandes empresas sem que a sociedade tenha um repertório sobre tecnologia para entender o que acontece? Sim, é claro. As pessoas têm essas conversas o tempo todo, sem saber que tratam de tecnologia. Em 2015, no estado dos EUA, na Virgínia, houve uma grande onda de greves de professores. Os professores pararam sob alegações de que as condições de trabalho e estudos de alunos não funcionavam para ninguém.

Um dos motivos para a greve foi a ordem que o distrito da escola deu para instalar um aplicativo de seguros que monitorava todos os lugares aos quais os professores foram. Tinha acesso às fotos, acesso às listas de contato e isso era para poder vigiá-los, para, em contrapartida, receber cobertura de saúde. Nos EUA, as pessoas não podem ter acesso à saúde sem ter plano. Os professores, contudo, disseram que não aceitariam essa situação. Eles queriam plano de saúde e também dignidade, não através de um aplicativo terceirizado que vendia dados. Esses professores não necessariamente têm uma educação de ciência da computação. O que eles sabem é que não querem alguém com poder sobre a vida deles, que siga cada ação deles. Isso não é uma percepção técnica, e sim sobre a dignidade humana e o desejo humano pela autonomia.

O debate sobre privacidade tem evoluído nos últimos anos?

Mais e mais pessoas reconhecem a importância disso. Eu vejo o Signal, nossa base de usuários não para de crescer. Isso reflete uma consciência crescente da importância da privacidade e um desconforto crescente com os regimes de vigilância de um monte de empresas americanas e chinesas. O Signal é uma alternativa de um novo negócio aos serviços de mensagem, como WhatsApp, Messenger e todos aqueles que foram as tecnologias padrões por tanto tempo.

A sra. pode compartilhar quantos usuários tem o Signal? Infelizmente, nós não compartilhamos esse número publicamente. Nós temos muitos milhões de usuários, e isso está aumentando. Se você olhar no Play Store, a loja de aplicativos do Google, com dados apenas para aparelhos Android, o aplicativo foi baixado mais de 100 milhões de vezes.

Os brasileiros também procuram o Signal? Sim, nós vimos que há busca por um uso saudável de tecnologia no Brasil. As pessoas percebem que o Telegram não é privado, que há custos para usar o WhatsApp, e nós estamos otimistas de que as pessoas no Brasil adotem o Signal, e prefiram usar nosso aplicativo, porque realmente não há coleta de dados pessoais, e isso permite comunicação com privacidade e dignidade.

A falta de privacidade pode implicar riscos para os usuários? As pessoas são mortas por isso. Nós levamos isso muito a sério. Nós falamos com as pessoas em Hong Kong, onde realmente existe a diferença entre desaparecer e não desaparecer.

E é impossível ter acesso a mensagens enviadas no Signal? É impossível, hoje, hackear o Signal em si. Nós e outros testadores provaram isso várias vezes. Existem tecnologias como o Pegasus [programa malicioso que dá acesso a tela do celular de um terceiro]. É preciso ser muito cuidadoso para evitar isso. Não clique em nenhum link estranho, não baixe nada, não abra um PDF desconhecido. Com o Pegasus, pessoas mal-intencionadas podem ouvir suas playlist, verificar seu email, abrir seu apps de mensagem, podem fazer tudo o que você pode. Mas, se atacarem o servidor do Signal, não vão encontrar nada, porque não armazenamos nada. Qualquer um pode ir ao nosso site e ver todos os processos que fomos forçados a cumprir. Tem quase nada de dados, são várias páginas em branco.


MEREDITH WHITTAKER

Preside a fundação Signal desde 2022, e cofundou o AI Now Institute em 2017, do qual também é presidente. Trabalhou 13 anos no Google, desenvolveu carreira acadêmica e chegou a ser professora da Universidade de Nova York.

O jornalista viajou ao Web Summit Rio a convite da Stone

Fonte: Acesse Aqui o Link da Matéria Original

1548234083 file be0b03d8 Vision Art NEWS

Este site usa cookies para que você tenha a melhor experiência do usuário. Se continuar a navegar, dará o seu consentimento para a aceitação dos referidos cookies e da nossa política de cookies , clique no link para obter mais informações. CONFIRA AQUI

ACEPTAR
Aviso de cookies
Translate »