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França estuda ‘fuga de cérebros’ de muçulmanos, que estão no foco de eleição presidencial – 15/02/2022 – Mundo

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A psique ferida da França é o personagem invisível de todos os romances de Sabri Louatah e da série de TV que ele escreveu. O escritor fala sobre seu “amor visceral, sensual” pela língua francesa e a ligação com sua cidade natal. E monitora de perto a campanha para as próximas eleições presidenciais.

Mas faz tudo isso na Filadélfia, cidade nos Estados Unidos que passou a considerar seu lar depois dos atentados de 2015 na França por extremistas islâmicos, que mataram dezenas de pessoas e traumatizaram profundamente o país. Conforme os sentimentos endureciam contra os muçulmanos, ele não se sentiu mais seguro. Um dia, levou uma cusparada e foi chamado de “árabe sujo”.

“Compreendi que eles não iriam nos perdoar”, diz Louatah, 38, neto de imigrantes da Argélia. “Quando você vive em uma grande cidade democrática na costa leste [dos EUA], fica mais em paz do que em Paris, onde está mergulhado no caldeirão.”

Os três principais rivais do presidente Emmanuel Macron —que deverão obter quase 50% dos votos, segundo pesquisas— nas eleições de abril estão conduzindo campanhas contra imigrantes que ressaltam o temor de um país que enfrenta a ameaça civilizacional de invasores não europeus. A questão está no topo de sua agenda, apesar de a imigração na França hoje ser menor que na maioria dos países europeus.

O problema mal discutido é a emigração. Por anos, a França perdeu profissionais de formação elevada que buscavam dinamismo e oportunidade em outros lugares. Mas entre eles, segundo pesquisadores, está um número crescente de muçulmanos que dizem que a discriminação foi um forte fator: eles se sentiram forçados a sair por uma chuva de preconceito, perguntas incômodas sobre sua segurança e uma sensação de não pertencimento.

O fluxo passou despercebido por políticos e pela mídia, e os acadêmicos dizem que a fuga de cérebros demonstra o fracasso do país em oferecer uma via de progresso até para os mais bem-sucedidos de seu maior grupo minoritário —pessoas que teriam servido como modelos de integração.

“Hoje, elas contribuem para a economia do Canadá ou da Grã-Bretanha”, diz Olivier Esteves, professor no centro de ciência política da Universidade de Lille, que pesquisou a migração de 900 muçulmanos franceses e conduziu entrevistas profundas com 130 deles.

Esse grupo, estimado em 10% da população do país, ocupa um lugar estranhamente desproporcional na campanha presidencial —mesmo que suas vozes reais raramente sejam ouvidas. Isso não é apenas um indício das feridas persistentes infligidas pelos atentados de 2015 e 2016, mas também da longa luta da França sobre questões de identidade e seu relacionamento não resolvido com antigas colônias.

Eles estão sendo ligados à criminalidade e a outros problemas sociais por meio de expressões com segunda intenção, como “zonas de não França”, usada por Valérie Pécresse, candidata de centro-direita que briga com a líder de ultradireita Marine Le Pen pelo segundo lugar atrás de Macron. O polemista Eric Zemmour, na sequência delas nas pesquisas, já disse que empregadores têm o direito de negar serviço a pessoas negras e árabes.

Louatah e outros que partiram falam com uma mistura de raiva e resignação sobre o país natal, onde ainda têm parentes e laços. Os lugares nos quais ele e outros se assentaram não são paraísos livres de discriminação, mas os entrevistados dizem que de todo modo sentiram maior oportunidade e aceitação lá. Alguns contam que foi fora da França que, pela primeira vez, não se questionaram o simples fato de serem franceses.

“Eu sou francês, sou casado com uma francesa, falo francês, vivo como francês, amo a comida e a cultura francesas. Mas em meu próprio país não sou francês”, afirma Amar Mekrous, 46, que foi criado em um subúrbio de Paris por pais imigrantes.

Achando opressiva a desconfiança contra muçulmanos franceses depois dos ataques de 2015, Mekrous se estabeleceu com a mulher e três filhos em Leicester, na Inglaterra. Em 2016, criou um grupo no Facebook para reunir pessoas como ele na Grã-Bretanha, que hoje tem 2.500 membros. Os recém-chegados aumentaram antes do brexit, segundo ele, em sua maioria famílias jovens e mães solteiras que achavam difícil encontrar emprego na França porque usavam o véu muçulmano.

Só recentemente pesquisadores —como os na Universidade de Lille, mas também no Centro Nacional de Pesquisa Científica, principal instituição de pesquisa do governo— começaram a formar um retrato dos muçulmanos franceses que partiram.

Elyes Saafi, 37, executivo de marketing da financeira americanas StoneX em Londres, cresceu em Remiremont, no leste da França, onde a família se instalou depois de chegar da Tunísia nos anos 1970. Como os pais, ele acabou fazendo uma vida nova em um novo país. Na Inglaterra, conheceu a mulher, Mathilde, que é francesa, e encontrou uma diversidade descontraída que não poderia imaginar.

“Em jantares da empresa pode haver um bufê vegetariano ou halal, mas todo mundo se mistura”, diz. “O CEO aparece, de turbante, e confraterniza com os empregados.” Os Saafis sentem falta da França, mas decidiram não voltar —em parte por causa de preocupações com o filho de dois anos.

“Na Grã-Bretanha não tenho medo de criar uma criança árabe”, diz Mathilde.

Em 2020, atos antimuçulmanos na França aumentaram 52% em comparação com o ano anterior, segundo queixas oficiais reunidas pela Comissão Nacional de Direitos Humanos. Os incidentes aumentaram na última década, com forte acréscimo em 2015, e uma investigação oficial em 2017 descobriu que rapazes percebidos como árabes ou negros eram 20 vezes mais propensos a ter a identidade checada pela polícia.

Candidatos a empregos com nomes árabes têm 32% menos probabilidade de serem chamados para uma entrevista, segundo um relatório do governo divulgado em novembro.

Louatah, casado com uma economista francesa que dá aulas na Universidade da Pensilvânia, diz que espera retornar um dia ao país que recheia seus romances. Quando a série de TV baseada em sua obra “The Savages” [os selvagens] foi transmitida em 2019, tornou-se um sucesso imediato do Canal Plus —a obra imagina a França pela primeira vez conduzida por um presidente de origem norte-africana.

Mas, dois anos depois, Louatah passou a ver a série como “uma anomalia”. Ele começou a escrever a segunda temporada, com uma trama focada na violência policial, um dos temas mais delicados na França, mas o programa não foi renovado por motivos que, segundo o autor, nunca foram esclarecidos. Um porta-voz do Canal Plus disse que a série foi planejada para uma única temporada.

Na Filadélfia, o escritor está se dedicando a um romance sobre o exílio de um país cujo nome não é citado.

Fonte: Acesse Aqui o Link da Matéria Original

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