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David Grossman: Israel evitam encarar trauma palestino – 12/06/2022 – Ilustrada

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A arte é uma ferramenta poderosa para que as novas gerações compreendam os traumas sofridos por seus antepassados. É o que diz o escritor israelense David Grossman, um dos principais representantes da literatura do país e autor de “A Vida Brinca Muito Comigo” —romance lançado agora pela Companhia das Letras que fala justamente sobre esse tipo de trauma intergeracional.

“Trauma é algo que afeta não apenas o indivíduo que o sofre, mas também as gerações seguintes. De certa forma, é como se ficasse gravado no nosso DNA”, afirma o autor, em entrevista por chamada de vídeo.

Grossman, hoje com 68 anos, ressalta que a Shoá —palavra em hebraico usada pelos judeus para se referir ao Holocausto— segue sendo uma ferida aberta na identidade israelense. “Existe uma necessidade de entender este trauma. Ele continua a irradiar tão violentamente nas nossas vidas que nós não conseguimos respirar.”

Ao mesmo tempo, o autor, nascido em Jerusalém, lembra que “estamos chegando a um momento em que não haverá mais sobreviventes da Shoá vivos para nos contar exatamente como foram as atrocidades”. Nesse sentido, diz, a arte é um dos poucos meios disponíveis para imaginar “como era estar nos campos de concentração, como era estar dentro da máquina de assassinar dos nazistas”.

Para ele, além de entender o sofrimento das vítimas, também é preciso se colocar no lugar dos perpetradores da violência. “Como um ser humano normal se torna um assassino? Do que você tem que abrir mão para se render a esse tipo de comportamento?”, questiona.

O autor afirma os traumas da sociedade israelense não estão restritos ao passado, na medida em que o contexto geopolítico regional segue produzindo sofrimento para as famílias.

Grossman é testemunha disso. Ele perdeu o filho Uri, combatente das Forças de Defesa de Israel, durante a guerra contra o grupo libanês Hizbullah, em 2006.

Por outro lado, ele diz acreditar que seus compatriotas ainda não estão preparados para encarar os traumas sofridos pelos palestinos.

“Muitos de nós colaboraram com a ocupação [dos territórios palestinos], esse sistema de opressão”, diz Grossman. Ele também serviu no Exército israelense —o alistamento militar é obrigatório no país.

Atualmente, Grossman é crítico da expansão de assentamentos judaicos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, territórios ocupados por Israel desde 1967. Em entrevista à Rádio do Exército em dezembro, descreveu as políticas israelenses nos territórios palestinos como um “apartheid”.

“É difícil esperar que um lado seja tão generoso a ponto de permitir que o trauma do inimigo seja incorporado à própria narrativa. Quando alcançarmos a paz, poderemos começar a entender o que permitiu que a ocupação perdurasse ao longo dos últimos 55 anos”, diz.

“Há uma minoria muito pequena disposta a reconhecer que os palestinos também sofreram traumas. A impressão é que, se reconhecermos o trauma deles, então o nosso trauma será diminuído ou distorcido.”

Grossman estudou filosofia e teatro na Universidade Hebraica de Jerusalém, e é um dos principais escritores israelenses da atualidade. Sua obra, que inclui títulos como “Fora do Tempo”, “A Mulher Foge” e “O Inferno dos Outros”, já foi traduzida para mais de 30 idiomas.

Em “A Vida Brinca Muito Comigo”, que sai pela Companhia das Letras, ele conta a história de três gerações de mulheres de uma família israelense que embarcam em uma jornada para revisitar o passado. Elas viajam à Croácia, onde a protagonista, Vera, fora mantida prisioneira em um campo de detenção do regime do general Tito na antiga Iugoslávia.

Vera teve a sorte de sobreviver, diferente dos seus pais, que haviam sido enviados para o s campos de extermínio nazistas. Ainda assim, o cárcere deixou marcas não apenas nela, mas também em sua filha, Nina, que cresceu órfã e viria a ser uma mãe ausente.

Já a neta, Guili, a narradora da história, nutre um ódio profundo pela mãe por ter sido abandonada na infância. Ela toma para si a missão de registrar o passado da família em um documentário, e neste processo acaba se aproximando de Nina.

O trauma intergeracional é, portanto, o fio condutor da narrativa. Por um lado, aparece como gerador de conflitos familiares. Mas ele se torna também força motriz da reconciliação das personagens.

“O livro é sobre uma jornada de retorno dessas mulheres ao lugar onde a ferida originou”, afirma Grossman. “Só então elas compreendem que não estão fadadas às armadilhas desse passado doloroso.”

Ainda segundo o autor, a obra traz lições sobre como manter a cabeça erguida diante do autoritarismo ao retratar a resiliência de Vera no cárcere.

O personagem de Vera é inspirado em Eva Panié Nahir, que foi amiga de Grossman por duas décadas até a sua morte em 2015, aos 97 anos de idade. “Era a pessoa mais corajosa que eu conheci”, conta o escritor.

“Ao rejeitarmos as narrativas impostas pelos poderosos, deixamos de ser vítimas desamparadas e nos transformamos em enclaves de liberdade”, diz. “É uma forma de não sermos esmagados completamente pelo sistema, mesmo quando sabemos que a batalha está perdida.”​

Fonte: Acesse Aqui o Link da Matéria Original

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