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Contrato de Gusttavo Lima com prefeitura pode não ser ilegal mas é imoral, diz advogado – 02/06/2022 – Música

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Rio de Janeiro

Diante dos questionamentos a respeito do recebimento de cachês milionários, vindos de prefeituras paupérrimas, o talentoso cantor Gusttavo Lima defendeu-se alegando que não seria obrigação sua fiscalizar dinheiro público, que seu trabalho, como o de todo mundo, tem um valor, e que ele se limita a cobrar o que acha justo para remunerar suas horas de show, sem checar como e de onde vem o dinheiro que o remunera.

Esse reducionismo da “defesa” do artista -na linha de que ele simplesmente diz o seu preço e, se pagarem, ele canta sem olhar de onde vem a grana, mesmo que tais valores venham de municípios pobres, cujo orçamento anual de saúde ou educação equivaleria à sua remuneração -, não soa crível.

Isso porque as equipes de artistas com o status do Gusttavo Lima, embaixador do gênero sertanejo, estão, sim, sempre de olho na origem do dinheiro e boa fama de seus contratantes. Tanto que não fazem comerciais de cigarro, empresas encrencadas em escândalo de corrupção, determinados remédios, agrotóxicos, determinados cosméticos e nada que possa afetar sua imagem.

A Constituição Federal e as leis de Direito Administrativo determinam que toda contratação de serviços ou produtos deve ser precedida de licitação, evitando, com isso, que o Estado (a) privilegie uma única empresa; (b) feche negócio com preços superfaturados; e (c) eventualmente contrate alguém que não tem expertise ou condições de cumprir a obrigação que assumirá com o Poder Público.

Importante destacar que depois de ganhar uma licitação, a pessoa jurídica ou física que prestará os serviços ao Estado assina um contrato e, caso o descumpra, sofrerá severas sanções, como, por exemplo, de ficar impedido de participar de novas licitações.

Há algumas hipóteses legais, entretanto, em que o Estado pode contratar com dispensa de licitação, como é o caso, por exemplo, de equipamentos médicos e vacinas para atender urgências como a do Covid, ou quando o serviço é prestado com excelência por uma única pessoa ou empresa, como é o caso de um artista talentoso como Gusttavo Lima.

Assim, não há nada de ilegal quando a equipe do jovem cantor contrata, sem licitação, a realização de um show, mas soa imoral receber a bolada de dinheiro público de olhos fechados para o compromisso social que um homem que influencia multidões, como é o caso de Gusttavo Lima, deve possuir e exibir de exemplo.

O dinheiro que aumentará ainda mais o fausto e o luxo que o cantor ostenta nas redes sociais acarretará, inevitavelmente, na miséria daqueles que, desavisados, o aplaudem sem a consciência de que aquele aplauso perpetuará escolas e hospitais em situação precária.

Por isso, entre contratar direto com o município, sem licitação, e recorrer a Lei Rouanet, essa segunda hipótese, do ponto de vista de transparência, gestão do dinheiro público e fiscalização é muito mais eficiente e justa que a primeira hipótese, isso porque:

(a) Pela Lei Rouanet, o artista tem um limite, um teto para captar. Pela contratação direta com o município, não há limite;

(b) Pela Lei Rouanet, o projeto do artista passa por uma análise criteriosa de necessidade e adequação entre o valor pleiteado e o que trabalho artístico que será oferecido. Na contratação direta com o município não há essa análise;

(c) Pela Lei Rouanet, uma vez sendo aprovado o projeto do artista, ele tem que ir em empresas que tenham interesse de investir até 6% do seu imposto de renda em cultura, ou seja, não há desvio de dinheiro de educação e saúde (ou outro setor). Já pela contratação direta com o município, pode haver desvio de valores que eram destinados a serviços essenciais (como educação e saúde) para pagamento direto ao artista;

(d) Pela Lei Rouanet, o artista contemplado tem que cumprir diversas contrapartidas, como fornecer ingressos para pessoas portadoras de deficiência, promover acessibilidade e meia entrada para estudantes. Ao contratar direto com o município, o artista não tem outra contrapartida que não seja apresentar o show contratado;

(e) Pela Lei Rouanet, o artista deve prestar contas de absolutamente TODOS os gastos que teve, centavo por centavo, de cada parafuso, lata de tinta, funcionário, enfim, de todo e qualquer produto e mão de obra empregados no projeto, sob pena de ter que devolver os valores não comprovados. Ao contratar direto com o município, o artista não tem que comprovar absolutamente nada relativo aos gastos que teve;

(f) Pela Lei Rouanet, o artista não pode promover um político, fazendo propaganda da sua gestão. Já ao contratar diretamente com o município, o artista acaba fazendo publicidade para o prefeito, com verba pública.

Enfim, contratar e receber diretamente com o poder público pode não ser ilícito, mas exige atenção redobrada do artista, para que ele, ainda que de forma impensada, não acabe protagonizando uma situação imoral.

Ricardo Brajterman

Advogado, mestre em direito constitucional e professor da PUC-Rio



Fonte: Acesse Aqui o Link da Matéria Original

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